30 de mai. de 2012

NEM FAZ TANTO TEMPO ASSIM







NEM FAZ TANTO TEMPO ASSIM, AS pessoas diziam vosmecê. "Vosmecê concede a honra desta dança?" Com o tempo, fomos deixando a formalidade de lado e adotamos uma forma sincopada, o popular você. "Você quer ouvir uns discos lá em casa?" Parecia que as coisas ficariam por isso mesmo, mas o mundo, definitivamente, não se acomoda. Nesta onda de tornar tudo mais prático e funcional, as palavras começaram a perder algumas vogais pelo caminho e se transformaram em abreviaturas esdrúxulas, e você virou vc. "Vc q tc cmg?" 

Nenhuma linguagem é estática, elas acompanham as exigências da época, ganham e perdem significados, mudam de função. Gírias, palavrões, nada se mantém os mesmos. Qual é o espanto?

Espanto, aliás, já é palavra em desuso: ninguém mais se espanta com coisa alguma. No máximo, ficamos levemente surpreendidos, que é como fiquei quando soube que um dos canais do Telecine iria abrir um horário às terças-feiras para exibir filmes com legendas abreviadas, tal qual acontece nos chats. Uma estratégia mercadológica para conquistar a audiência mais jovem, naturalmente, mas e se a moda pegar? 

Hoje, são as legendas de um filme. Amanhã, poderá ser lançada uma revista toda escrita neste código, e depois quem sabe um livro, e de repente estará todo mundo ganhando tempo e escrevendo apenas com consoantes - adeus, vogais, fim de linha pra vocês. 

O receio de todo cronista é ficar datado, mas, em contrapartida, dizem que é importante este nosso registro do cotidiano, para que nossos descendentes saibam, um dia, o que se passava nesta nossa cabecinha jurássica. Posso imaginar, daqui a 50 anos, meus netos gargalhando diante deste meu texto: "ctd d vv". 

Coitada da vovó mesmo. Às vezes me sinto uma anciã, lamentando o quanto a vida está ficando miserável. Não se trata apenas dos miseráveis sem comida, sem teto e sem saúde, o que já é um descalabro, mas da nossa miséria opcional. Abreviamos sentimentos, abreviamos conversas, abreviamos convivência, abreviamos o ócio, fazemos tudo ligeiro, atropelando nosso amor-próprio, nosso discernimento, vivendo resumidamente, com flashes do que outrora se chamou arte, com uma idéia indistinta do que outrora se chamou liberdade. Todos espiam todos, sabem da vida de todos, e não conhecem ninguém. Modernidade ou penúria? 

As vogais são apenas cinco. Perdê-las é uma metáfora. Cada dia abandonamos as poucas coisas em nós que são abertas e pronunciáveis. 

Daqui a pouco vamos apenas rugir. Grrrrrrrr. E voltar para as cavernas de onde todos viemos. 

Martha Medeiros.





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